sábado, 2 de março de 2013

Você vai desistir antes mesmo de chegar na metade do caminho?

 Era quase de manhã.

Alguma coisa na expectativa tinha feito o sono sumir e mesmo só tendo dormido quatro horas, ali estava ele, um garoto sentado na areia, esperando o sol nascer com um par de fones no ouvido e algumas músicas nostálgicas. Ele assistia o seu ultimo dia de férias nascendo, era o primeiro de muitos últimos que iriam acontecer naquele ano de formatura. Enquanto mudava de música no seu player as lembranças de anos maravilhosamente indescritíveis explodiam em sua cabeça, e não pense que isso é apenas uma expressão caro amigo leitor, as lembranças explodiam de fato, eram muitas, boas, ruins, doces, salgadas, algumas até constrangedoras, todas diferentes e ao mesmo partilhando de uma característica em comum: elas trazem consigo a saudade. E saudade dói. O problema maior no caso do nosso garoto pensador era o de saber quando ele deveria começar a sentir saudade. A coisa pode parecer muito fácil do ponto de vista de quem está muito bem sentado em uma cadeira ou deitado numa cama lendo um texto em um blog qualquer de um autor qualquer, mas para aquele carinha, a coisa era séria. As suas lembranças o alimentavam, o fazia sorrir, graças a elas ele teve fé de novo, criou confiança, forjou uma personalidade fortalecida e mais importante, são as lembranças que deixam certo de que seus amigos são de verdade. Mas tudo isso ia acabar no final do ano.
O que viria depois? Faculdade, trabalho, casamento, filhos, ocupação, estresse, salários, velhice...

Você não imagina como era ruim pensar nessas coisas, por isso ele se prendia as lembranças. Por isso ele iria viver cada dia daquele ano como se fosse o último!

- Está decidido, esse ano vai ser o melhor de todos.

Foi o que o garoto pensou antes do verdadeiro motivo desse texto ter sido escrito acontecer.

Uma perturbação na calma da situação acontece, com tanta areia na praia, será que a pessoa tinha que sentar logo ali?

- Tanta areia na praia e tinha que ter alguém sentado exatamente no meu local preferido! – Disse o estranho e barulhento homem que se sentava ao lado do garoto, sorrindo.

Tirando o fone do ouvido o garoto olha de relance para o estranho e responde:

- Que pena cara, esse também é meu lugar favorito. – Dito isso com um sorriso irônico e um olhar fuzilador, típico de qualquer jovem cabeça dura que pretende fazer o mundo engolir sua opinião.

- Oh, não pensei que você estaria escutando, tudo bem, desculpe o mal jeito, tive uma longa viagem recentemente, ainda estou me recuperando...

- Tudo bem. – Algo familiar naquele cara estranho vestido de preto deixou o garoto a vontade.

- Que tal dividirmos por hoje nosso lugar favorito para pensar na praia? – O estranho falou e novamente sorriu, o seu sorriso era torto.

- Por mim tudo bem.

- Então ótimo! Eu seria forçado a te expulsar se você dissesse que não.

Rindo o garoto respondeu na lata:

- Você é meio folgado para um velho!

A gargalhada do homem foi estranha e mais uma vez familiar.

- Tomara que você seja engraçado assim por toda a sua vida moleque. – E ele continua. – O que você anda escutando? Espero que nenhuma dessas porcarias atuais! Por favor.

- Nesse exato momento eu estou ouvindo Coldplay, uma banda britânica.

- Conheço. Minha preferida...

- A minha também! Sempre me acalma e agora é disso que eu mais preciso. – Ao terminar a frase, o garoto finta o horizonte, as lembranças voltam.

- O que está passando?

- Bom, esse é meu último ano no colégio e eu realmente amo a minha vida ali, os meus amigos, as histórias, tudo – Sem saber o motivo da sua vontade de conversar com o estranho o garoto continua. – E bem, eu tenho receio do futuro, de como vai ser, das pessoas que continuaram na minha vida, se eu dou conta de faculdade, trabalho...
Antes que ele terminasse a frase o estranho interrompeu.

- Cara, sinto te dizer mas muitas das pessoas que hoje você conhece e trata por amigos futuramente não estarão com você, na verdade, algumas nem se quer vão se importar com o fato disso ter acontecido. Mas isso faz parte da vida, infelizmente a terra do nunca é uma lenda.

Irritado com a resposta direta e sincera, o garoto pensa que aquele estranho, apesar de amistoso e divertido, era mais um adulto no mundo...

- E eu não estou falando essas coisas por ser mais um adulto no mundo, estou falando isso por já ter sido como você, por ter sentido as mesmas preocupações. Te digo mais, você também não vai se importar com essas mudanças. No final das contas quando você cresce você entende que só fica na sua vida, quem realmente importa! Entende?

- Todos os meus amigos importam...

- Claro que sim, todos importam, todos os que são A M I G O S de verdade importam e continuarão importando até o fim, mas o resto... bem o resto é o resto! – Depois disso ele sorriu.

O garoto cada vez mais inflamado pensou em mil contra argumentos, mas não disse nenhum.

- Pretendo manter todos eles. – Disse ele apenas.

- Mas você não vai conseguir, na verdade, não vai querer, o tempo é apertado demais pra ficar fazendo social como todo mundo moleque. – Mais um sorriso.

- Você pode parar de me chamar de moleque já, se quiser. – Disse ironicamente o moleque.

- Ok. Mas eu não to afim não. – O sorriso dessa vez foi irônico. – Sabe cara, eu realmente acho que você está exagerando, provavelmente você terá uma vida boa, vai fazer novos amigos, vai se arranjar com uma boa garota, vai conseguir manter contato com pessoas importantes, vai realizar seus sonhos e também vai criar novas preocupações, maiores e piores, mas totalmente resolvíveis.

- Como você sabe disso tudo?

- Como? No final das contas Dante, a vida é assim. Você hoje se preocupa com coisas que no futuro se tornam menores do que as próximas preocupações e assim sucessivamente, as preocupações crescem junto com você. E ai que está a mágica do negócio cara, você sempre vai estar preparado para acabar com essas preocupações, elas se encaixam perfeitamente com sua vida, são uma parte dela, porém, elas não são tudo, elas não são nem uma grande parte, apenas uma pequena parte. As pessoas tendem a tornar gigante os problemas, se apegam a isso, sofrem antes, durante e depois ainda acham motivos para se lamentar, as pessoas sentem vontade de parar de caminhar mesmo quando ainda estão muito longe da metade do caminho, então por favor moleque, não faça isso. – Sorriu de novo e continuou – Não faça desse ano o último ano da sua vida, faça apenas desse um ano como o ano passado, cheio de boas lembranças e use essas lembranças como combustível para se buscar novas lembranças. A faculdade vai ser ótima divertida e cheia de novas preocupações e você vai passar por tudo isso como um mestre. Você vai aprender a dirigir, tomar responsabilidades, vai ter o seu primeiro emprego, seu primeiro carro e um dia, vai conhecer a mulher da sua vida, vai casar com ela, vai querer ter filhos com ela, se estressar com ela e mais importante, ficar velho com ela. A mágica do negócio está nisso cara, seja paciente, não queime barreiras e o mais importante.

Não.

Pare.

De.

Caminhar.

O estranho sorriu pela última vez e se levantou.

Sem palavras o garoto tentou recuperar o fôlego, as palavras tinham sido tão verdadeiras, tão seguras e tão confortantes, de uma maneira amigo leitor, que deixou aquele carinha, sempre pronto para soltar um novo argumento, mudo.

- Vou nessa então garoto, tenha uma boa vida. – Dessa vez o estranho parecia emocionado, ele se vira rápido e caminha em direção contrária ao Sol que há muito já havia nascido.

O garoto então pareceu ter acordado e de todas as perguntas que ele podia fazer no universo, ele fez a mais irrelevante de todas.

- Eu não te disse meu nome. Como você sabia meu nome?

O estranho para novamente e se vira devagar.

E então o garoto percebe, percebe que toda aquela familiaridade, toda aquela segurança nas previsões, aquela voz, aquele jeito de sentar, de se expressar, de andar e principalmente, o sorriso. Tudo aquilo era dele.

- Você nunca gostou muito de se olhar no espelho não é moleque? – O último sorriso antes de voltar a caminhar.

E então o garoto percebeu que depois de toda a conversa, aquela foi a primeira vez que ele realmente estava olhando o excêntrico homem que sacudirá sua manhã de lembranças e preocupações.

O garoto percebeu que aquele não era só mais um adulto.

- Eu vou encontrar mesmo a mulher da minha vida? – Ele gritou para um homem que já estava distante.

Sem se virar, mas soando como alguém que estava se divertindo ele disse:

- Sim moleque, você vai e ela vai te fazer mais feliz do que nunca. Você só precisa olhar pros lados na hora certa e você vai encontrar. Só não estrague tudo ok?

- Mas como eu vou fazer isso?

- Você consegue cara. A gente consegue!
O estranho se perde de vista e de repente toda aquela imagem desaparece.

E o garoto acorda.

Acorda, checa o calendário no celular e percebe que hoje é o seu último primeiro dia de aula, toma seu último banho do primeiro dia de aula, toma o seu último café do primeiro dia de aula, escova pela última vez os dentes no seu último primeiro dia de aula e pela primeira vez, no seu ultimo primeiro dia de aula, ele se olha no espelho de verdade. 

E sorri.
 
Um sorriso torto.

Agora ele sabia que ainda faltava mais do que a metade do caminho.

Sua única preocupação era continuar caminhando.

Mais um sorriso torto.

E ele recomeçou a caminhar.

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