Era quase
de manhã.
Alguma
coisa na expectativa tinha feito o sono sumir e mesmo só tendo dormido quatro
horas, ali estava ele, um garoto sentado na areia, esperando o sol nascer com
um par de fones no ouvido e algumas músicas nostálgicas. Ele assistia o seu
ultimo dia de férias nascendo, era o primeiro de muitos últimos que iriam
acontecer naquele ano de formatura. Enquanto mudava de música no seu player as
lembranças de anos maravilhosamente indescritíveis explodiam em sua cabeça, e
não pense que isso é apenas uma expressão caro amigo leitor, as lembranças
explodiam de fato, eram muitas, boas, ruins, doces, salgadas, algumas até
constrangedoras, todas diferentes e ao mesmo partilhando de uma característica
em comum: elas trazem consigo a saudade. E saudade dói. O problema maior no
caso do nosso garoto pensador era o de saber quando ele deveria começar a
sentir saudade. A coisa pode parecer muito fácil do ponto de vista de quem está
muito bem sentado em uma cadeira ou deitado numa cama lendo um texto em um blog
qualquer de um autor qualquer, mas para aquele carinha, a coisa era séria. As
suas lembranças o alimentavam, o fazia sorrir, graças a elas ele teve fé de
novo, criou confiança, forjou uma personalidade fortalecida e mais importante,
são as lembranças que deixam certo de que seus amigos são de verdade. Mas tudo
isso ia acabar no final do ano.
O que viria depois? Faculdade, trabalho, casamento, filhos, ocupação, estresse, salários, velhice...
O que viria depois? Faculdade, trabalho, casamento, filhos, ocupação, estresse, salários, velhice...
Você
não imagina como era ruim pensar nessas coisas, por isso ele se prendia as
lembranças. Por isso ele iria viver cada dia daquele ano como se fosse o
último!
- Está
decidido, esse ano vai ser o melhor de todos.
Foi o que o
garoto pensou antes do verdadeiro motivo desse texto ter sido escrito
acontecer.
Uma
perturbação na calma da situação acontece, com tanta areia na praia, será que a
pessoa tinha que sentar logo ali?
- Tanta
areia na praia e tinha que ter alguém sentado exatamente no meu local
preferido! – Disse o estranho e barulhento homem que se sentava ao lado do
garoto, sorrindo.
Tirando o
fone do ouvido o garoto olha de relance para o estranho e responde:
- Que pena
cara, esse também é meu lugar favorito. – Dito isso com um sorriso irônico e um
olhar fuzilador, típico de qualquer jovem cabeça dura que pretende fazer o mundo
engolir sua opinião.
- Oh, não
pensei que você estaria escutando, tudo bem, desculpe o mal jeito, tive uma
longa viagem recentemente, ainda estou me recuperando...
- Tudo bem.
– Algo familiar naquele cara estranho vestido de preto deixou o garoto a vontade.
- Que tal
dividirmos por hoje nosso lugar favorito para pensar na praia? – O estranho
falou e novamente sorriu, o seu sorriso era torto.
- Por mim
tudo bem.
- Então
ótimo! Eu seria forçado a te expulsar se você dissesse que não.
Rindo o
garoto respondeu na lata:
- Você é
meio folgado para um velho!
A
gargalhada do homem foi estranha e mais uma vez familiar.
- Tomara
que você seja engraçado assim por toda a sua vida moleque. – E ele continua. –
O que você anda escutando? Espero que nenhuma dessas porcarias atuais! Por
favor.
- Nesse
exato momento eu estou ouvindo Coldplay, uma banda britânica.
- Conheço.
Minha preferida...
- A minha
também! Sempre me acalma e agora é disso que eu mais preciso. – Ao terminar a
frase, o garoto finta o horizonte, as lembranças voltam.
- O que
está passando?
- Bom, esse
é meu último ano no colégio e eu realmente amo a minha vida ali, os meus
amigos, as histórias, tudo – Sem saber o motivo da sua vontade de conversar com
o estranho o garoto continua. – E bem, eu tenho receio do futuro, de como vai
ser, das pessoas que continuaram na minha vida, se eu dou conta de faculdade,
trabalho...
Antes que
ele terminasse a frase o estranho interrompeu.
- Cara,
sinto te dizer mas muitas das pessoas que hoje você conhece e trata por amigos
futuramente não estarão com você, na verdade, algumas nem se quer vão se
importar com o fato disso ter acontecido. Mas isso faz parte da vida,
infelizmente a terra do nunca é uma lenda.
Irritado com a resposta direta e sincera, o garoto pensa
que aquele estranho, apesar de amistoso e divertido, era mais um adulto no
mundo...
- E eu não
estou falando essas coisas por ser mais um adulto no mundo, estou falando isso
por já ter sido como você, por ter sentido as mesmas preocupações. Te digo
mais, você também não vai se importar com essas mudanças. No final das contas
quando você cresce você entende que só fica na sua vida, quem realmente
importa! Entende?
- Todos os
meus amigos importam...
- Claro que
sim, todos importam, todos os que são A M I G O S de verdade importam e continuarão importando
até o fim, mas o resto... bem o resto é o resto! – Depois disso ele sorriu.
O garoto cada vez mais inflamado pensou em mil
contra argumentos, mas não disse nenhum.
- Pretendo
manter todos eles. – Disse ele apenas.
- Mas você
não vai conseguir, na verdade, não vai querer, o tempo é apertado demais pra
ficar fazendo social como todo mundo moleque. – Mais um sorriso.
- Você pode
parar de me chamar de moleque já, se quiser. – Disse ironicamente o moleque.
- Ok. Mas
eu não to afim não. – O sorriso dessa vez foi irônico. – Sabe cara, eu
realmente acho que você está exagerando, provavelmente você terá uma vida boa,
vai fazer novos amigos, vai se arranjar com uma boa garota, vai conseguir
manter contato com pessoas importantes, vai realizar seus sonhos e também vai
criar novas preocupações,
maiores e piores, mas totalmente resolvíveis.
- Como você
sabe disso tudo?
- Como? No
final das contas Dante, a vida é assim. Você hoje se preocupa com coisas que no
futuro se tornam menores do que as próximas preocupações e assim
sucessivamente, as preocupações crescem junto com você. E ai que está a mágica
do negócio cara, você sempre vai estar preparado para acabar com essas
preocupações, elas se encaixam perfeitamente com sua vida, são uma parte dela,
porém, elas não são tudo, elas não são nem uma grande parte, apenas uma pequena
parte. As pessoas tendem a tornar gigante os problemas, se apegam a isso,
sofrem antes, durante e depois ainda acham motivos para se lamentar, as pessoas
sentem vontade de parar de caminhar mesmo quando ainda estão muito longe da
metade do caminho, então por favor moleque, não faça isso. – Sorriu de novo e
continuou – Não faça desse ano o último ano da sua vida, faça apenas desse um
ano como o ano passado, cheio de boas lembranças e use essas lembranças como
combustível para se buscar novas lembranças. A faculdade vai ser ótima
divertida e cheia de novas preocupações e você vai passar por tudo isso como um
mestre. Você vai aprender a dirigir, tomar responsabilidades, vai ter o seu
primeiro emprego, seu primeiro carro e um dia, vai conhecer a mulher da sua
vida, vai casar com ela, vai querer ter filhos com ela, se estressar com ela e
mais importante, ficar velho com ela. A mágica do negócio está nisso cara, seja
paciente, não queime barreiras e o mais importante.
Não.
Pare.
De.
Caminhar.
O estranho
sorriu pela última vez e se levantou.
Sem
palavras o garoto tentou recuperar o fôlego, as palavras tinham sido tão
verdadeiras, tão seguras e tão confortantes, de uma maneira amigo leitor, que deixou aquele carinha,
sempre pronto para soltar um novo argumento, mudo.
- Vou nessa
então garoto, tenha uma boa vida. – Dessa vez o estranho parecia emocionado,
ele se vira rápido e caminha em direção contrária ao Sol que há muito já havia
nascido.
O garoto
então pareceu ter acordado e de todas as perguntas que ele podia fazer no
universo, ele fez a mais irrelevante de todas.
- Eu não te
disse meu nome. Como você sabia meu nome?
O estranho
para novamente e se vira devagar.
E então o
garoto percebe, percebe que toda aquela familiaridade, toda aquela segurança nas
previsões, aquela voz, aquele jeito de sentar, de se expressar, de andar e
principalmente, o sorriso. Tudo aquilo era dele.
- Você
nunca gostou muito de se olhar no espelho não é moleque? – O último sorriso
antes de voltar a caminhar.
E então o
garoto percebeu que depois de toda a conversa, aquela foi a primeira vez que
ele realmente estava olhando o excêntrico homem que sacudirá sua manhã de
lembranças e preocupações.
O garoto
percebeu que aquele não era só mais um adulto.
- Eu vou
encontrar mesmo a mulher da minha vida? – Ele gritou para um homem que já
estava distante.
Sem se
virar, mas soando como alguém que estava se divertindo ele disse:
- Sim
moleque, você vai e ela vai te fazer mais feliz do que nunca. Você só precisa
olhar pros lados na hora certa e você vai encontrar. Só não estrague tudo ok?
- Mas como
eu vou fazer isso?
- Você
consegue cara. A gente consegue!
O estranho
se perde de vista e de repente toda aquela imagem desaparece.
E o garoto
acorda.
Acorda, checa o calendário no celular e
percebe que hoje é o seu último primeiro dia de aula, toma seu último banho do
primeiro dia de aula, toma o seu último café do primeiro dia de aula, escova
pela última vez os dentes no seu último primeiro dia de aula e pela primeira
vez, no seu ultimo primeiro dia de aula, ele se olha no espelho de verdade.
E
sorri.
Um sorriso torto.
Agora ele
sabia que ainda faltava mais do que a metade do caminho.
Sua única
preocupação era continuar caminhando.
Mais um
sorriso torto.
E ele
recomeçou a caminhar.
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